Burnout: como lidar com stress no trabalho (antes que seja tarde)

lana kantor
Code Like A Girl
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12 min readAug 15, 2017

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11h42. 26ºC. Deixo minha mesa de post-its e uma carreira promissora aos 19 anos para almoçar um PF honesto. Bato ponto com o celular na mão, mais um email e outro suspiro: "alguém precisa colocar um ventilador aqui".

Cada garfada é atravessada por um assunto do trabalho, o break even, expectativas de investidores. Mastigo menos de 32x. Se fosse metrificado, mastigaria 64x, para dobrar a meta.

O suor não sai esfregando a mão na calça, não consigo tomar o refresco escolhido pela cor, estou transpirando demais perto de um colega de trabalho. Se tivesse taxa de desperdício, eu seria cobrada. O guardanapo com cheiro ruim não alivia — podemos tomar um ar?

Minha incompetência chega ao ápice: não consigo respirar, tremo e se tivesse aprendido a ver meu pulso na Educação Física (ou qualquer coisa nessa aula), perceberia que estava próxima de um ataque cardíaco.

Se me perguntassem o que é sucesso, eu não diria que é um hack incrível para passar na frente de idosos no hospital.

Caso o cenário pareça extremo, remonte os episódios que você quis chorar no trabalho, jogar seu computador no chão durante uma atualização ou quantas vezes precisou de remédios para dor de cabeça nas últimas semanas.

O que é burnout e como chegamos aqui?

Stress não precisa estar na descrição da vaga. Já é esperado sazonalmente em qualquer posição e da conta de luz que pode chegar mais alta.

Mas qual o limite de deixar ser afetado pelo trabalho? Quantas vezes vamos precisar usar o termo work-life balance, e por que o argumento de "faça o que você ama" já não está funcionando mais quando chega o Faustão e suas trombetas do fim do seu descanso?

via @RealitySocial

Diferente de insatisfação profissional ou de que seres humanos nunca vão estar 100% satisfeitos com nada, mesmo que não precisem lidar com lixo tóxico 8h/dia, burnout é: "um estado de esgotamento físico e mental cuja causa está intimamente ligada à vida profissional”.

O termo foi cunhado por Herbert J. Freudenberger, psicanalista que identificou o transtorno em si mesmo.

O burnout pode ser classificado como doença ocupacional (Grupo V da CID-10), digno de afastamento em alguns países da Europa e chamado de karoshi (過労死) quando a exaustão profissional leva a morte no Japão.

Você pode fazer o Bingo dos sintomas abaixo:

(Boa sorte em levar isso para o INSS.)

De fato, se você marcou mais do que nove itens, pode ter algo de errado, mas enquanto você entrega resultados, que mal há nisso?

Esse é o truque de doenças ocupacionais no trabalho. Enquanto acreditamos que ser workaholic é um elogio, qualquer pausa é sinal de que você está perdendo seu *mojo*.

Suas habilidades acumuladas fazem de você um canivete-suíço profissional, imbatível e resiliente à variação de temperatura do ar-condicionado. A alta produtividade funciona e te leva longe, até pifar e aquela gripe mal curada não parar de te assombrar.

Sob lemas como "work hard, play hard", esquecemos de trabalhar de forma inteligente e consequentemente, a vida fica mais áspera. Dormir → comer → trabalhar → sextou não parece um fluxograma inspirador.

Se você ainda não está convencido, tente responder honestamente às perguntas abaixo. Como defensora da ida à padaria como um esporte, fico com a mão amarela só de ler a lista:

  • Qual foi a última vez que você se divertiu sem álcool?
  • Fez alguma atividade física?
  • Teve contato com a natureza?
  • Leu alguma coisa por prazer que não fosse no celular?

O que é tarde demais?

“The opposite of play is not work. It’s depression.”

— Stuart Brown

Muito tempo depois do meu quase ataque cardíaco, percebi que minha relação com trabalho não estava saudável quando um relacionamento chegou ao fim.

Sem muito bem onde morar, com uma cachorra de 40kg para cuidar e com muitos remédios para dormir na cabeceira, essa foi minha reação após o "não acho que deveríamos ficar mais juntos":

Quando seu senso de autoestima está muito ligado ao trabalho… Bem, além de tentar compensar ficando mais tempo no escritório, você se torna uma pessoa chata.

O preciosismo mascara o quanto você trabalha pela manutenção do que restou do seu amor próprio, muito mais do que pelo projeto ou pelo cliente. Você fica irritado, não tem foco e todo mundo não parece meio ingrato pelo trabalho maravilhoso que você performa todos os dias?

O ódio a reuniões começa a ficar maior, há um quê de improdutividade em todas as tarefas que não estão sob seu controle. Não é "micromanagement" se você quer (e acha que pode) dar conta de tudo sozinho.

Ironicamente, o trabalhador mais dedicado, torna-se cínico, completamente descolado do ambiente de trabalho e de seus colegas. "É sempre assim", "não tem jeito ¯\_(ツ)_/¯" e piadas irônicas que revelam sua descrença na firma fazem parte da sua rotina. Além do ódio a quem parece ter tudo no lugar:

Muito bonitos esses números, metas batidas, rímel no lugar e etiqueta da blusa pra dentro. Queria ver se morasse sozinha e tivesse uma semana de louça acumulada.

E pode acreditar, todo mundo pensa isso de você de volta. Por que simplesmente esquecemos que o trabalho é feito de pessoas, mais do que processos.

Do jeito que descrevo, parece o Grinch da organização. Mas muitas vezes, os profissionais mais próximos do burnout são exatamente aqueles que se mostram mais disponíveis.

Trabalhar até às 04h da manhã porque tem energético na agência de publicidade? Claro! E quem não participa está claramente perdendo uma chance incrível.

De quem é a culpa?

Ogilvy Philippines Strategist Dies After Allegedly Working Overtime While Suffering from Pneumonia

→ Young Woman Dies After Tweeting That She Worked 30 Hours Straight

Gerente do Itaú morre em pleno local de trabalho

Este artigo teria um fim óbvio se tudo fosse resolvido com bolinhas anti-stress, ginástica laboral, uma planta no cubículo ou melhorar a postura, mas isso não parece ter aliviado as manchetes acima.

Pior ainda se tentássemos disfarçar sugerindo um método de produtividade, como Pomodoro, GTD ou uma extensão no navegador que vai fazer você redirecionar seu burnout para o que realmente deveria ser feito.

Veja, todas essas coisas ajudam, mas sempre culpam o indivíduo.

Por outro lado, culpar O Sistema também não vai nos levar longe. Aliás, o conceito de culpa é inútil, porque por 10s existe a atribuição a algo que não está em você ou não pode ser mudado. Ema, ema, ema.

A responsabilidade é conjunta. Sua, por dar este peso enorme ao trabalho e acreditar que sua produtividade é melhor por fazer horas extras. Do ambiente, por alimentar esse falso desempenho e perceber que é tarde demais para tratar as pessoas como humanos quando os atestados e pagamentos de horas extras começam a acumular. E se chegou nesse ponto, poucos pacotes de benefícios vão conseguir reverter essa situação.

Mas é a carreira? Escolha da profissão? Existe realmente alguma forma de equilibrar vida profissional e pessoal ou é o caso de largar tudo e ir pra roça?

Burnout poderia acontecer se você seguisse o conselho da sua mãe e fizesse um concurso público, mas ficasse frustrado em grampear papéis o dia inteiro.

Burnout é uma realidade para empreendedores, que acham que não podem descansar porque o sustento de outras pessoas depende de seu negócio. Burnout existe para fazendeiros, médicos, executivos e se tudo começa a ir mal, até para o gari Sorriso.

O que eu realmente posso fazer?

“You can do anything, but not everything.”

— David Allen

Não parece óbvio? Tirar férias, ver temporadas de séries que você abandonou na correria, tentar dormir 8h, passar fio dental depois de todas as refeições e bater ponto na próxima segunda com um grande sorriso no rosto.

A questão é que se você sofre da Síndrome de Burnout, o descanso nem parece relaxar mais. Toda atividade que não é trabalho leva você a culpa.

Depois de quase ter um ataque cardíaco, levado um pé na bunda colossal e ter metas batidas, tudo o que eu fazia para me divertir não parecia devolver minha presença, sempre acompanhada de álcool para ver se sentia algo.

Afinal, a bifurcação entre séries ou um livro culto que você deveria estar lendo não parece tão óbvia. Que tal pegar mais freelas? E a nova certificação?

Toda vez que eu me jogava na cama tentava anestesiar a ansiedade de propósito que nem o trabalho preenchia, mas ocupava o tempo, fugindo do reflexo da minha própria face na tela preta no Netflix antes dos 14s para o próximo episódio.

Embora o burnout precise de acompanhamento médico, não há exatamente uma prescrição ou uma lista precisa do que deve ser feito para desbaratinar.

To-do list do Johnny Cash.

Eu havia caído na armadilha de tratar minha vida como um produto. O senso de produtividade tinha invadido minha vida pessoal.

Estava sendo amarga e queria ser a figura que nunca me agradou: o tio do churrasco, feliz com a família, cervejinha e carne na brasa, mas não conseguia. Céus, ele parecia feliz.

Costumava rir de caras tendo uma crise de meia-idade querendo comprar Harley Davidsons e não entendia o quanto o futebol de quarta-feira poderia ser divertido, até lembrar que estava acordando cedo todo sábado para ver mais um episódio de RuPaul's Drag Race, porque era a única hora (+Untucked) da minha semana que eu conseguia sorrir.

Você pode ler as dicas seguintes com a voz do Morgan Freeman para tentar melhorar, além de acreditar na premissa de que esse texto não está tentando te vender um curso de mindfulness.

Mas o quanto ter sucesso antes dos 30 moldou sua vida? E o que vai sobrar para o seu 31º aniversário? Vamos trabalhar muito até a perspectiva de uma aposentadoria (rs), logo, não é nem racional dar todo o seu combustível agora.

O mesmo colega de trabalho que me levou para o hospital com meu coração disparado, costumava repetir o slogan da Pirelli quando eu claramente estava pistola dentro do escritório:

Potência não é nada sem controle.

Você não pode levar o almoço em família como uma tarefa lean ou esquecer de ligar para alguém toda semana. Seus momentos de epifania não podem ser apenas despertados pelo álcool no casamento de alguém enquanto você perdeu a hora em que todas as pessoas ali cresceram ou com o Sérgio Chapelin na retrospectiva daquele ano.

Suas habilidades de aprender algo não podem ser voltadas exclusivamente a algo que você pode vender. Pregar um botão, fritar um ovo ou fazer alguém dar risada até doer a barriga podem até não ser habilidades colocadas no currículo, mas vão fazer a vida ser menos esmagadora.

Esqueça a ideia de que você é uma pessoa de Exatas, Humanas ou Biológicas. Claro que é natural ter aptidão para alguma área, mas dizer que você nunca vai aprender matemática é fadar sua vida a um caminho que te limita. Quase gabaritei matemática, física e química no vestibular, mas estou aqui escrevendo textão.

Diversifique seus ativos. É um conceito básico de investimentos que vale pra tudo, mas se você vive do e para o seu trabalho, grandes chances de ficar continuamente frustrado por isso.

Crie eventos semanais, saia com seus amigos sem ter ocasião, crie uma rotina com você mesma e sempre que der na telha, ouça a banda que você mais gostava quando adolescente.

Não abra mão de atividades, nem contato físico. Stress é uma reação química que pode ser combatida com outros comportamentos. Dê abraços, acorde em lugares diferentes, corra para fazer com que sua ansiedade, feita sob medida para proteger você de algum perigo físico, encontre seu fim daqui a três quarteirões, de preferência com um sorvete.

Faça novas memórias. Eu não dou a mínima para o seu senso de espontaneidade ou se você quer registrar isso no Instagram ou não. Mas a única razão plausível pela qual você se esqueceria da última vez que se divertiu é porque acontece com frequência.

Do lado profissional, considere as dicas a seguir como na estrutura de uma matrioska. Ao entender o ponto de vista de quem trabalha, tudo ganha uma escala mais humana.

Se você bate cartão,

Pare de achar que está sendo bonzinho e competente. Aprenda a dizer não. Ao sacrificar sua vida pessoal no trabalho, você perde qualidade de vida e ainda sente que o ambiente tem algum tipo de dívida contigo.

Esqueça a ideia de que você é insubstituível. Todo mundo acredita que é o único que dá conta daquele cliente que lida com cabras do Leste Europeu, mas não. A ideia não é desvalorizar o trabalho, mas entender que se você ficar doente, tirar férias ou passar por qualquer problema, há um time e toda uma empresa pronta para lidar com as suas demandas.

Defina prioridades e pare de mandar emails em horas estranhas. Ao criar um nível de falsa produtividade superior às pessoas do seu time, você mais atrapalha do que ajuda, porque começa a criar um SLA silencioso de que todos deveriam estar tão pilhados quanto você.

Pare de almoçar na frente do computador ou comer como se tivesse uma tela na sua frente. Aprender a parar a falar sobre trabalho, inclusive com quem está lá todos os dias com você, é uma das maiores provas de sociabilidade. Apenas imagine se a Aracy ficasse falando de TopTherm toda hora.

Delegue, mude sua mesa e reconheça que precisa de uma folga sem levar Gmail, Slack ou planilhas com você. 10s para você desinstalar essas coisas do celular agora. Valendo!

Fale sobre saúde mental. Não tenha medo de ser a primeira pessoa, muitos irão te procurar e admitir sua vulnerabilidade vai libertar muita gente de sair do banheiro com o rosto vermelho falando que está com "alergia".

Saiba a hora de ir embora. Conselho que vale pra tudo, bater ponto, relacionamento, bar etc.

Se você é um gestor,

Daqui para cima, você precisa gostar de gente. Sério.

Do contrário, busque uma carreira em Y. Já passamos da hora de acreditar que para sermos bem-remunerados precisamos liderar. É só ver a peleja de professores-pesquisadores que não queriam estar ali às 07h30.

E no mundo corporativo, temos um alfabeto inteiro para você se encaixar. É carreira em W, T-shaped professional etc. Mas eis o que você pode fazer nessa posição:

Dê o exemplo. Quer que seus liderados tirem folgas? Tire você uma, prove que é possível e que você confia na sua equipe.

Defina um bom padrão de produtividade e deixe isso claro. O overachiever do seu time não é default. Inclusive, converse com ele sobre o que pode ensinar, mas principalmente, se está tudo bem.

Considere a faixa etária e experiências profissionais antes de dar muita responsabilidade. Esse argumento vai contra a minha própria trajetória profissional, a faixa salarial que já ganhei (saudades) e ambição de querer "subir na vida" muito nova.

Mas com diferentes gerações no ambiente de trabalho, é muito fácil perceber quem chega no mesmo espírito da faculdade, querendo abraçar tudo e com frustração precoce quando as coisas não dão certo. Talvez eu devesse trocar faixa etária por maturidade.

Sintonize a rádio peão. O maior exercício de humildade pode ser ouvir os detratores do seu time. Ouvir, não necessariamente responder ou dar razão.

Incentive a troca de experiências. Boa parte de liderar é confiar que o trabalho vai ser feito. Mas bem feito, depende de um bom senso de equipe, pessoas integradas que não querem destruir umas as outras por seus números, mas que saibam reconhecer entre si o mínimo de humanidade, seja odiando a mesma coisa no almoço ou comprando uma água no happy hour.

Diga obrigada!

Se você é CEO ou empreendedor,

Sim, o negócio e pessoas dependem de você, mas deveríamos ser mais espertos do que não tirar folga ou trabalhar doente para manter as coisas funcionando.

Pense três casas para a frente não só em relação a empresa, mas com você mesmo. Os argumentos de que burnout, contratação e demissão são caros você conhece, mas esses não podem ser os únicos indicadores de uma empresa saudável ou de que você é um bom gestor. Lembre-se que várias tarefas ainda não conseguem ser medidas em números.

Verifique se o senso de propriedade dos funcionários é saudável e possível. Você está liderando uma empresa ou um culto?

Faça com que as pessoas conversem de verdade com você, sem tom de validação. "Pls senpai notice me" faz bem para o ego de qualquer pessoa, em qualquer posição, mas pode distrair das necessidades reais.

Não é possível que tudo esteja as mil maravilhas toda hora, mas se essas informações não chegam diretamente, ou qualquer pessoa que fale algo diferente seja taxada de intransigente ou corra o risco de demissão, bem, as reuniões podem ficar bem curtas.

Leia Dilbert. Eu vivi os dois cargos de base e sou filha de um empreendedor com métodos questionáveis. Dilbert consegue sumarizar muitos lados.

PS.: Nunca disse que seria fácil. Setar o ideal é mais simples para escrever.

Esse texto surgiu de uma apresentação feita no meu trabalho :)

Caso você queira conversar comigo sobre burnout ou como podemos fazer as organizações serem melhores, pode enviar um email para lanakantor@gmail.com.

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