Diversidade não é o que você fala

Juliana Martins
Code Like A Girl
Published in
3 min readNov 12, 2018

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Recentemente, em um evento de mulheres que não possuía recorte de classe ou raça, uma mulher branca me abordou.

Restavam dois minutos para começar o evento. Ela disse, gentilmente e baixinho

“Oi, bem. Você se incomodaria de sentar na outra cadeira para que possa ter uma visão melhor do palco? ”

Há alguns anos atrás, eu engoliria o nó na garganta. Eu levantaria e sentaria na cadeira que ela apontou, perto da parede. Eu me questionaria sobre se deveria estar ali. Passaria dias pensando que não devia ter ido.

Hoje não. Hoje eu engulo a vontade de chorar pela injustiça, a raiva de saber que as pessoas não saem do meu caminho na rua porque esperam que eu desvie, sem que o mesmo tratamento seja dado à amiga branca do meu lado. Hoje eu respiro fundo e digo

“Sim, me incomodaria”

Mas não acaba aí. Acabaria se ela pedisse desculpas e se afastasse. O que ela fez, no entanto, foi mudar instantemente o tom amável, reprovando a posição da mulher negra com a cabeça erguida, e retrucou, desta vez sem sussurrar e em tom indignado

“Nossa…Não custava nada.”

Por que a mulher negra deveria trocar de lugar e ir para o pior espaço? Por que deveria ceder o seu lugar conquistado para outra pessoa? Por que ela não pediu isso a nenhuma das outras mulheres brancas sentadas em lugares melhores?

As respostas estão relacionadas ao racismo institucionalizado. A realidade é tão excludente que não deve ter passado pela cabeça daquela mulher de que conceder o privilégio de ter uma visão mais central e menos prejudicada é abrir mão de uma conquista. Não deve ter passado pela cabeça dela, como não passa pela cabeça de muitos, que este tipo de comportamento também exclui.

Muitas mulheres têm se engajado para falar sobre o tema Diversidade, e dizem abrir espaço para propagação de ações inclusivas que permitem que negras tenham acesso a eventos e lugares onde as frequentadoras eram predominantemente brancas.

Embora a iniciativa seja louvável, é a justificativa para esta promoção e forma como estas ações são conduzidas que precisam ser também questionadas. Muitas destas mulheres trazem um discurso excludente quando falam coisas como “eu até tenho amigos negros”, “minha empregada pode almoçar na mesa com a minha família” e “eu não ligo que os filhos da minha empregada usem as roupas usadas dos meus filhos”. A crítica a estes discursos poderia seguir por um viés classicista, se não fossem as mulheres negras a maioria na categoria.

Segundo estudo feito em parceria entre o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a ONU Mulheres, em 2015, a população geral de trabalhadores doméstico chegou a 6,2 milhões, sendo 5,7 milhões de mulheres. Dessas, 3,7 milhões eram negras e pardas e 2 milhões eram brancas.

A dificuldade em olhar o preconceito como algo estrutural limita as ações e provocam uma dor social igualmente ruim. Não causar impacto real sobre o problema mantém a mulher negra à margem e à mercê da benevolência da classe dominante.

O problema está enraizado e prejudica discussões sobre racismo, uma vez que a sociedade assimila com facilidade o racismo explícito, mas dificilmente reconhece a existência do racismo velado.

Toda ação que privilegia determinado grupo ou corrobora para prejudicar conquistas também oprime. Associar o racismo apenas a ações explícitas de preconceito perpetua o racismo velado e é igualmente exclusor.

É necessário que busquemos cada vez mais expor este racismo velado, e que entendamos uma vez por todas que não é o opressor que define o que é ou não racismo. A mulher branca no evento certamente não se deu conta que estava sendo racista. A única pessoa capaz de definir o que é ou não uma violência é a vítima. Precisamos ouvi-la.

Quantas vezes você genuinamente deu voz a ela?

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